Na Inglaterra, cientistas anunciam
sucesso em experimento que mata o HIV escondido no corpo. No Brasil,
avança pesquisa que também quer destruir o vírus
EXPECTATIVA: Diaz comanda em SP experimento pioneiro com trinta pacientes
Cilene Pereira
Na história da medicina, poucas doenças foram tão estudadas
quanto a Aids. Agora, trinta e cinco anos após o surgimento dos
primeiros casos, começam a aparecer os resultados mais animadores dos
caminhos pavimentados em direção à cura. As notícias vêm de várias
partes do mundo. Recentemente, cientistas ingleses anunciaram que pelo
menos um, entre 50 pacientes acompanhados em um experimento que visa a
derrota do HIV, não apresentava mais sinais do vírus dentro do
organismo.
O britânico de 44 anos que não teve o nome revelado submeteu-se a uma
estratégia chamada pelos ingleses de “kick and kill”, algo como chutar e
matar. Consiste em tentar vencer um dos obstáculos que até agora impede
a cura. Os remédios antirretrovirais evitam a replicação do HIV dentro
do organismo, mas o fazem somente nas células infectadas nas quais o
vírus está ativo. No entanto, em muitas o HIV permanece em estado de
latência, adormecido. Por essa razão, mesmo que seja indetectável a
quantidade do vírus no sangue, ele continua no corpo, escondido. Se os
remédios são suspensos, o vírus que dormia, acorda. “Estamos fazendo uma das primeiras tentativas sérias em direção à cura” Mark Samuels, cientista inglês
O esquema montado por especialistas de cinco respeitadas instituições
inglesas – reunidos em um consórcio criado especialmente para achar a
cura da doença – pretende acordar o vírus adormecido (a parte do
“chutar”) para matá-lo. Faz isso em duas etapas. Primeiro, uma vacina
fortalece o sistema imunológico do paciente para detectar e combater as
células infectadas. Depois, uma droga chamada vorinostat, usada no
tratamento do linfoma (tipo de câncer), entra em cena para ativar o HIV
latente. Desta maneira, o vírus fica finalmente vulnerável ao ataque do
sistema de defesa e também dos antirretrovirais.
Ainda é cedo para dizer se o paciente está curado. “Ele terminou o
tratamento, que vimos ser seguro e bem tolerado”, ressaltou Sarah
Fidler, professora do Imperial College London, uma das instituições
participantes. “Mas só em 2018, quando finalizarmos o trabalho,
saberemos se chegamos à cura.” A prudência é compreensível, mas os
cientistas sabem que deram um passo importante. “Estamos fazendo uma das
primeiras tentativas sérias em relação à cura”, disse Mark Samuels, que
também participa do projeto.
“Somos os únicos no mundo a aplicar uma forma de ataque tão abrangente contra o HIV” Ricardo Diaz, infectologista, coordenador do estudo brasileiro
No Brasil, pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo
executam experimento com igual ambição. Sob o comando do infectologista
Ricardo Sobhie Diaz, trinta pacientes participam de um protocolo ainda
mais amplo do que o inglês. Duas medicações são usadas para tornar o
tratamento mais forte, uma ativa o HIV dormente nas células e outra mata
as células nas quais o vírus está escondido. Além disso, uma vacina,
feita com o vírus extraído do próprio paciente, é o recurso com o qual
pretende-se atingir o HIV escondido nos chamados santuários. São locais
do corpo onde os antirretrovirais ou não conseguem chegar ou chegam com
fraca atuação (sistema nervoso central, linfonodos, trato genital e
mucosa do trato gastrointestinal). A vacina ensina o linfócito CD-8
(parte do exército de defesa) a encontrar e a matar o HIV presente
nesses locais. ESPECIAL: O americano Timothy Brown é a única pessoa considerada curada
O trabalho começou há um ano e há grande expectativa em relação aos
resultados. “Somos os únicos no mundo a aplicar uma forma de ataque tão
abrangente contra o HIV”, diz Ricardo Diaz. O médico espera ter a
conclusão em meados do ano que vem.
Este gênero de experimento, como o brasileiro e inglês, é o mais
adiantado na busca pela cura. As vacinas terapêuticas, que fortalecem o
sistema imunológico contra o HIV, e as preventivas, que evitam a
infecção, também são alvo de estudos no mundo todo. Porém, esbarram na
incrível capacidade de mutação do vírus, o que dificulta a confecção de
imunizantes de eficácia garantida.
Na mira da ciência também estão os indivíduos que, mesmo infectados,
não desenvolvem a doença. São conhecidos como controladores de elite.
“Queremos saber por que o vírus não consegue fragilizar o sistema de
defesa dessas pessoas”, afirma o infectologista Valdez Madruga,
coordenador do Comitê Científico de HIV/Aids da Sociedade Brasileira de
Infectologia. Entre as respostas, está a habilidade de produzir
anticorpos mais potentes. Com base no que já se descobriu, cientistas da
Universidade Rockeffeller, nos Estados Unidos, criaram um anticorpo que
reduziu em até 250 vezes a concentração de vírus em pacientes.
Há ainda o caso de pessoas que, por característica genética, não
produzem uma molécula (CCR5) que possibilita a entrada do HIV na célula.
Sem ela, o vírus não tem como invadi-la. Muito se tem trabalhado neste
tópico. O americano Timothy Ray Brown é a única pessoa considerada
curada no mundo porque se valeu da ausência de CCR5. Ele foi submetido a
um transplante de medula óssea cujo doador possuía a alteração genética
que não permite a produção da molécula. Ele está há nove anos sem o
vírus.
Fotos: Pedro Dias/AG. IstoÉ;
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