Dormir bem, sair do sedentarismo,
manter o peso adequado, evitar bebidas quentes e amamentar. Essas são
algumas das atitudes que, segundo as pesquisas mais recentes, têm
importância maior do que se imaginava para prevenir e tratar a doença
Uma nova safra de pesquisas está transformando o entendimento
que se tem sobre o câncer – uma das principais causas de mortalidade em
todo o mundo – e modificará para sempre a forma com que a enfermidade é
tratada. As evidências científicas demonstram que a adoção de um estilo
de vida saudável tem um poder muito maior do que se imaginava de
proteger contra o desencadeamento da enfermidade e também de influenciar
positivamente na evolução ao longo do tratamento. Manter o peso dentro
dos parâmetros recomendados, praticar atividade física e cuidar para que
o sono tenha qualidade, por exemplo, estão entre os fatores que, agora
se sabe, podem ser decisivos para a prevenção e a cura.
A constatação veio à luz a partir da certeza de que o câncer é uma
doença complexa, que não tem uma única origem e que não pode ser tratado
a partir de uma perspectiva somente. Tumores de origem genética
respondem por cerca de 10% dos casos. Todo o restante é resultado de uma
combinação de circunstâncias ambientais e comportamentais. “É muito
importante que as pessoas saibam disso”, afirma o oncologista Fernando
Maluf, chefe da oncologia clínica do Centro Oncológico Antônio Ermírio
de Moraes, do Hospital da Beneficência Portuguesa de São Paulo “Muita
gente pensa que pode fumar, beber, não fazer esportes porque se tiver
que ter câncer, terá. Mas não é isso. Poderíamos reduzir brutalmente o
número de casos se fosse adotado um jeito mais saudável de viver”, diz.
Porém, não é ainda o que se vê. “De forma geral, os casos de quase todos
os tipos de tumor estão aumentando por conta dos hábitos de vida”,
enfatiza o oncologista João Glasberg, do Hospital Samaritano de São
Paulo. INFORMAÇÃO: O médico Fernando Maluf acredita que o número de casos seria reduzido se hábitos fossem mudados
Um dos fatores sobre os quais mais se tem pesquisado é o excesso de
peso. Trata-se de uma investigação extremamente oportuna, já que a
obesidade atinge cerca de 600 milhões de adultos no mundo e é preciso
conhecer mais sobre suas implicações. Está comprovado que uma delas é o
aumento do risco para o surgimento do câncer. Segundo a Agência
Internacional para Pesquisa do Câncer, aproximadamente 481 mil novos
casos surgidos a cada ano em todo o planeta são causados pela obesidade.
Isso corresponde a quase 4% do total de novas vítimas da doença.
Há algumas razões que explicam o vínculo. O acúmulo de gordura
desequilibra a produção de hormônios sexuais, como estrógeno (feminino) e
testosterona (masculino). A elevação aumenta a possibilidade de
desenvolvimento de tumor de próstata, de mama e de útero. Um trabalho
publicado recentemente no jornal de oncologia da Associação Médica
Americana, por exemplo, analisou a relação entre câncer de mama e
excesso de peso a partir da avaliação de 67 mil mulheres ao longo de
treze anos. Aquelas com Índice de Massa Corpórea (IMC) acima de 30
apresentam 58% mais chance de manifestar a enfermidade. O prejuízo
causado pela obesidade ao funcionamento da insulina (hormônio que
permite a passagem da glicose do sangue para dentro das células) também
expõe a risco maior de ter a doença em alguns órgãos, como o pâncreas.
Além disso, o peso extra predispõe o organismo a processos inflamatórios
vinculados à enfermidade.
A associação câncer-obesidade vem ganhando destaque nas discussões
mais recentes entre os principais especialistas. Nos últimos congressos
da Sociedade Americana de Oncologia Clínica – principal encontro da área
do mundo -, o tema foi recorrente. “A ênfase foi a seguinte: tudo o que
fizemos para conscientizar as pessoas sobre os riscos de fumar agora
terá de ser feito a respeito dos prejuízos provocados pela obesidade”,
conta a psico-oncologista Luciana Holtz, fundadora e presidente do
Instituto Oncoguia, entidade de apoio ao paciente.
Em paralelo à importância da obesidade, descobre-se de que maneira a
prática da atividade física também ajuda contra a doença. Primeiro
porque emagrece. E há vários outros motivos. Fazer exercício
regularmente contribui para regular o funcionamento hormonal, melhora o
metabolismo celular, reduzindo chance de erros durante as replicações
celulares, e deixa o sistema de defesa do organismo mais forte para
identificar e combater a enfermidade.
Recentemente, a quarta edição do Código Europeu contra o Câncer
enfatizou a recomendação de que as pessoas deixem de ser sedentárias
também para que se protejam contra a doença. De acordo com os
organizadores do documento, a prática insuficiente de exercícios causa
cerca de 9% dos casos de tumor de mama e 10% dos tumores de reto na
Europa.
Em agosto, cientistas da Universidade Vanderbilt, nos Estados Unidos,
e do Instituto de Pesquisa Xangai, publicaram na revista da Associação
Americana para Pesquisa em Câncer mais uma prova do poder protetor da
atividade física. No estudo, eles acompanharam a evolução de cerca de 75
mil mulheres com idades entre 40 e 70 anos. As que se exercitavam
quando mais novas manifestaram 13% menos chance de morrer de câncer. “Os
resultados deixam claro a importância de promover a prática de
atividade física desde cedo”, disse a pesquisadora Sarah Nechuta,
professora do Centro Epidemiológico da Vanderbilt e uma das responsáveis
pelo trabalho.
Ainda mais recente é a evidência do quanto uma boa noite de sono
auxilia o organismo a se manter mais forte contra a enfermidade. De
acordo com a National Sleep Foundation – entidade americana que reúne
boa parte dos principais estudiosos do sono do mundo -, pessoas que
dormem mal ou pouco apresentam risco mais elevado. Particularmente
aquelas que apresentam distúrbios relacionados ao ritmo circadiano, como
as que têm o relógio biológico alterado por causa de trabalho em
turnos.
Investiga-se como se dá a conexão, mas uma das hipóteses é a de que
transtornos de sono podem levar ao desequilíbrio na produção da
melatonina (hormônio que induz ao adormecimento). Dados recentes apontam
que a substância teria uma função protetora. Uma de suas ações seria a
de ajudar a evitar o surgimento de vasos sanguíneos que alimentam
células tumorais. Por isso, deficiências na sua produção provocariam
prejuízos. Concentrações mais elevadas, ao contrário, auxiliariam no
controle da doença. Um trabalho do Departamento de Epidemiologia da
Escola de Saúde Pública de Harvard, nos Estados Unidos, deu força à
teoria. “Homens com níveis de melatonina acima da média tinham 30% menos
chance de desenvolver câncer de próstata comparado aos com taxas abaixo
da média”, afirmou a coordenadora da pesquisa, Sarah Markt.
A prática de sexo com proteção está incluída na lista dos hábitos que
protegem contra o câncer. É a estratégia para evitar a infecção por
vírus sexualmente transmissíveis e que podem causar a doença. O HPV
(sigla em inglês para papiloma vírus humano) é um deles. Existem mais de
cem tipos. Pelo menos treze têm potencial para provocar tumores. Dois
deles (os tipos 16 e 18) estão presentes em 70% dos tumores de colo de
útero.
Outro vírus associado ao câncer e transmitido sexualmente é o da
hepatite B. “Os pacientes com esta doença manifestam maior incidência de
câncer no fígado”, afirma Ademar Lopes, cirurgião oncológico e
vice-presidente do A. C. Camargo Câncer Center, em São Paulo. O HIV,
causador da Aids, por sua vez, facilita a entrada no organismo de outros
vírus que provocam câncer ao reduzir as defesas do corpo. Neste caso,
infelizmente ainda não há uma vacina. Mas é possível se prevenir tomando
vacina contra alguns tipos de HPV. “E também contra o vírus da hepatite
B”, explica o oncologista Paulo Hoff, diretor-geral do Centro de
Oncologia do Hospital Sírio-Libanês e do Instituto do Câncer do Estado
de São Paulo.
Há atitudes para as quais pode não se dar muita atenção, mas que têm
um peso importante também. Cultivar o hábito de tomar bebidas muito
quentes, por exemplo, pode se tornar um fator de risco a mais para tumor
de esôfago. “Elas inflamam o órgão”, diz o oncologista Sérgio Simon, do
Centro Paulista de Oncologia, de São Paulo. “E as inflamações crônicas
são fatores importantes para o desenvolvimento do câncer”, diz.
Amamentar, por sua vez, fortalece a proteção da mulher contra o tumor
de mama. Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, cada ano de
amamentação completa reduz de 3% a 4% o risco de a mulher sofrer da
doença. Entre os motivos, está o fato de que, quando o aleitamento
materno é feito por mais de seis meses, há a substituição de tecido
glandular por gordura. “Isso facilita o diagnóstico, pois com mais
gordura fica mais fácil identificar um nódulo”, afirma o mastologista
Paulo Pirozzi. Além disso, pacientes que apresentam a doença e que
amamentaram costumam manifestar os tipos menos agressivos.
Uma circunstância associada ao local onde se vive também entra na
lista. Quanto mais perto de locais com ar puro, menor a chance de ter
câncer. A Agência Internacional de Pesquisa em Câncer classificou a
poluição do ar como fator carcinogênico, ou seja, com potencial para
provocar a doença. A decisão foi tomada após uma extensa análise de
pesquisas sobre o tema. “Nossa meta era avaliar o impacto do ar que
todos respiramos em vez de focar em poluentes atmosféricos específicos”,
explicou Dana Loomis, que integrou o grupo responsável pelo
levantamento. “Os resultados apontaram na mesma direção: o risco de
desenvolvimento de tumor de pulmão é aumentado de forma significativa
nos indivíduos expostos à poluição.” Os pesquisadores fizeram ainda a
ligação entre os poluentes e câncer de bexiga e de pele.
Todas estas constatações estão transformando a forma de prevenir a
doença, com ênfase na necessidade de adoção de uma vida mais saudável. E
também estão alterando a maneira de tratar o câncer: agora é
obrigatório incluir como ponto fundamental de qualquer terapia ações que
levem a uma rotina com mais saúde.
Descobriu-se que, além de aumentar a prevenção, bons hábitos
contribuem para melhores resultados durante o tratamento. “Perder peso é
um fator que ajuda a evitar que o câncer de mama volte”, diz o
oncologista João Glasberg, do Hospital Samaritano de São Paulo. “Por
isso é importante que as pacientes tenham um incentivo para retornar à
atividade física.” Segundo o médico Evanius Wiermann, presidente da
Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, há outro impacto já
contabilizado. “Abandonar o sedentarismo reduz em 20% a possibilidade de
recidiva de tumor colo-retal”, informa.
Os centros mais modernos de tratamento já dispõem de serviços nos
quais os pacientes sãow orientados a respeito da prática de exercícios. O
bancário Armando Gonçalves da Veiga, 63 anos, de São Paulo, aderiu ao
hábito depois de ter recebido o diagnóstico de câncer de pulmão e ser
obrigado a passar por quimio e radioterapia. “Quando comecei o
tratamento, o tumor tinha 14 centímetros. Hoje, tem seis”, conta. “A
atividade física me faz sentir muito melhor.”
Além do impacto fisiológico, os exercícios promovem grande benefício
para aumentar a auto-estima, muitas vezes prejudicada pela doença, e
diminuir o estresse. Há um consenso entre médicos e cientistas de que o
estresse pode elevar indiretamente o risco de surgimento da doença ao
enfraquecer o sistema imunológico, deixando o corpo mais vulnerável. E
sabe-se que ele também dificulta a boa evolução do tratamento. Há várias
evidências de que o estado leva a piores respostas, inclusive por causa
das alterações que provoca no organismo e as repercussões que isso
causa. Por isso, seu controle é meta imprescindível para aumentar as
chances de vitória. Opções para ajudar nisso são a meditação e a ioga,
técnicas oferecidas em centros respeitados do Brasil e do mundo.
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