Há uma revolução em andamento na cardiologia. Em sua base está um arsenal de técnicas que combinam cortes menores, novos

dispositivos para acessar o coração, exames mais precisos, robôs e a aproximação entre médicos com especialidades diferentes para operar o mesmo paciente. A meta é tratar os problemas cardíacos com o mínimo de agressividade e o máximo de eficiência. Um exemplo das inovações foi visto na semana passada no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Pela primeira vez na América Latina, o cirurgião Robinson Poffo usou um robô para reconstruir a válvula mitral de cinco pacientes. “O aparelho permite operar com cortes menores e dá amplitude de movimentos no campo operatório maior do que a mão do cirurgião”, diz. No Instituto do Coração, em São Paulo, intervenções na válvula mitral já estão sendo executadas por meio das chamadas cirurgias minimamente invasivas. O cirurgião faz três ou quatro cortes com cerca de quatro a seis centímetros e, com o auxílio de câmeras e vídeos, concretiza o

reparo. Pelo método convencional, a operação é realizada através de um corte no centro do peito e a fratura do osso esterno.“Já fizemos 35 operações desse tipo. Nosso plano é realizar uma por semana”, diz o cardiologista Noedir Stolf, diretor da Unidade de Cirurgia da instituição. “Entre as vantagens da nova modalidade está a redução da dor e do tempo de permanência no hospital”, diz o cirurgião Fábio Jatene. Em vez de dois ou três dias na UTI, por exemplo, o paciente fica um. A manicure Rosângela Barbosa, 28 anos, de São Paulo, é uma das pessoas operadas no InCor. “Voltei a ter disposição para trabalhar e cuidar de meus filhos”, diz. Há um ano, a analista de recursos humanos Tatiane Marcelo, 29 anos, de Joinville, foi submetida a uma variação dessa cirurgia desenvolvida por Robinson Poffo, cuja incisão é feita logo abaixo do mamilo. “Quase não dá para ver a cicatriz”, conta Tatiane. A combinação de novos recursos com a hemodinânica está contribuindo para intervenções menos agressivas na válvula aórtica. Uma delas é a implantação de uma prótese que pode ser colocada via cateter, sem cortes no tórax. Feita de um metal que se dilata em contato com o calor e revestida de uma membrana animal, ela funciona como um expansor.“Não substitui a válvula, mas melhora bastante a condição de vida dos pacientes”, diz o hemodinamicista Pedro Lemos, do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Um outro dispositivo recente está dando resultados interessantes. É uma espécie de clipe, colocado via cateter, para corrigir a frouxidão da válvula mitral (responsável por evitar que o sangue volte durante a contração cardíaca). Quando isso acontece, ela permite o retorno do sangue que deveria ser bombeado. Conclusões de um estudo feito com 279 pacientes no Canadá e nos EUA indicam que o clipe pode ser uma o

pção eficaz. “Até agora, a cirurgia de coração aberto era a única alternativa para esses casos”, disse à ISTOÉ Ziyad Hijazi, coordenador do estudo. “Em vez disso, agora podemos usar um cateter para alcançar a válvula do coração. Já temos 600 casos com excelentes resultados.” O cateter também está sendo a via de execução de uma técnica recente para destruir trombos associados a infartos. No Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro, pacientes foram submetidos à aspiração de coágulo dentro da artéria. “Por causa do grande volume, eles poderiam se fragmentar se a artéria fosse apenas dilatada com um balão. Por isso, fizemos a aspiração”, explica o hemodinamicista Constantino Salgado.Outra mudança importante é fazer as cirurgias de revascularização das coronárias, as principais artérias do coração, sem usar a máquina de circulação extracorpórea. Essa cirurgia consiste na utilização de enxertos que passam por cima dos pontos obstruídos das coronárias. O objetivo é lev

ar o sangue de um ponto sem comprometimento para outro, criando um circuito alternativo. Normalmente, é preciso parar o coração e usar a máquina, que faz o bombeamento do sangue. Mas a criação de aparelhos que param o coração no pedacinho a ser tratado, sem mexer com o resto, tornou possível realizar o procedimento sem recorrer à máquina. “O coração fica batendo, mas a artéria que vai ser tratada fica parada”, diz o médico Sérgio Almeida de Oliveira, um dos maiores cirurgiões cardíacos do País. Ele opera nos hospitais Beneficência Portuguesa, Sírio-Libanês e Albert Einstein. A sofisticação dos procedimentos tem funcionado como incentivo para a aproximação entre os cirurgiões e os cardiologistas intervencionistas, aqueles que fazem o cateterismo – inserção de um tubo no vaso sanguíneo para diagnóstico ou pequena intervenção cirúrgica – e a angiografia, exame que mostra os pontos de entupimento das artérias. Ambos estão associando suas expertises para tratar o paciente ao mesmo tempo. Na prática, significa que um pode operar uma das artérias, enquanto o outro introduz, em outra artéria, via cateter, um balão para abrila e melhorar a passagem do sangue. Como exigem equipamentos diferentes, até agora esses procedimentos eram feitos em salas distintas. Mas isso está mudando. “O caminho é criar as salas híbridas, onde os aparelhos estão no mesmo lugar”, prevê Oliveira.Uma dessas salas j

á funciona no Hospital Albert Einstein. O InCor deve inaugurar a sua em junho. O espaço permite a realização de cirurgias convencionais, operações pouco invasivas e diagnósticos por imagem no mesmo local, sem que o doente precise ser transportado. “Além disso, torna a tomada de decisões mais segura e rápida”, diz o cirurgião Stolf. De fato, diante de tantas alternativas, é importante saber qual escolher. “Não vale a pena, por exemplo, optar por técnicas que usam mini acessos ou são menos agressivas se a cirurgia aberta tiver melhor resultado para determinado paciente”, pondera o cardiologista Roberto Kalil Filho, diretor do Centro de Cardiologia do Hospital Sírio-Libanês. “O certo é discutir o que fazer em termos de risco, eficiência e durabilidade.”
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