sábado, 6 de março de 2010

Uma blitz contra a gripe

Temida por seu caráter mutante e agressivo, a gripe causada pelo vírus A(H1N1) causou pânico no mundo no ano passado. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou a doença uma pandemia. Houve uma corrida em busca de remédios e vacinas pelo mundo. Em meio a uma onda de medo, surgiram em diversos lugares novos medicamentos sem eficácia comprovada e até engenhocas como um “terno antigripe”, vendido no Japão. Oficialmente, foram registradas 16.225 mortes causadas pela gripe em 213 países. Quando as tão desejadas vacinas chegaram aos países do Hemisfério Norte, onde a segunda onda da gripe começou durante o inverno com menor intensidade que no ano passado, a recepção foi variada. Nos Estados Unidos, a procura pela vacina foi maciça. Na Europa, aconteceu o contrário e sobraram doses. Nesse cenário de incertezas, o governo brasileiro optou pela prevenção: o Ministério da Saúde começa nesta segunda-feira (8) a maior campanha de vacinação em massa já feita no país.
O objetivo é imunizar metade da população brasileira, cerca de 96 milhões de pessoas, em três meses – antes do início da segunda onda da gripe, esperada para o inverno. “Nossa responsabilidade com a população não pode ser cumprida com hipóteses”, disse o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, a ÉPOCA. “Estamos tomando todas as providências para nos prepararmos para uma realidade que poderá ser mais ou menos branda. É uma estratégia com respaldo de todas as sociedades científicas.”
A prioridade da vacinação será para os profissionais de saúde. Depois virão índios, mulheres grávidas, crianças entre 6 meses e 2 anos. Adultos saudáveis ficarão para a última fase (leia o quadro abaixo) . A estratégia brasileira copia os modelos de vacinação de Estados Unidos e Canadá, que incluíram adultos jovens e saudáveis no público-alvo da imunização. Essa escolha, segundo o Ministério da Saúde, foi feita com base no perfil dos 39.679 casos graves da doença registrados no Brasil entre abril e dezembro do ano passado, com 1.705 mortes comprovadas. Os adultos jovens foram o grupo que registrou uma das maiores incidências de casos graves. “A letalidade não é muito alta”, diz Temporão. “Mas são números importantes.”
O Ministério da Saúde recomenda que as pessoas se vacinem nas datas estabelecidas, mas bebês poderão ser vacinados tão logo completem 6 meses. Mulheres que engravidem também. Mas as crianças acima de 2 anos não foram incluídas na lista de prioridades. Na verdade, não haverá vacina para os brasileiros que têm entre 2 e 19 anos. De acordo com Temporão, nenhum país do mundo vacinou esse público, por causa da baixa incidência de casos graves. Há evidência de que a França vacinou. Nos Estados Unidos, o Centro de Controle de Doenças recomenda que crianças, “especialmente entre 0 e 5 anos”, sejam vacinadas. “No Brasil, foi na faixa etária entre 6 meses e 2 anos que se registraram mais internações”, diz o médico Eitan Berezin, presidente do Departamento Científico de Infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria. É verdade, mas isso não esgota a discussão entre os especialistas. “A meu ver, a única possibilidade para esse público de crianças e adolescentes não ter sido considerado preferencial é porque não há vacina para todos”, diz o infectologista Juvêncio Furtado, que deixou a presidência da Sociedade Brasileira de Infectologia há um mês. Pelas estatísticas do próprio Ministério da Saúde – divulgadas pela última vez em dezembro –, o terceiro grupo etário em incidência da doença, que reúne crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos, não está contemplado na vacinação. “Não deve haver vacinas para essa população”, diz a médica Nancy Bellei, do Laboratório de Virologia da Universidade Federal de São Paulo e membro do Comitê de Influenza da Sociedade Brasileira de Infectologia.
A estratégia de vacinação tem como alvo preferencial os adultos jovens e saudáveis e exclui os adolescentes
O Ministério da Saúde investiu R$ 1,3 bilhão na compra de 113 milhões de doses de três fabricantes: GlaxoSmithKline, Novartis e Butantã, cuja fábrica ainda não está pronta e por isso só envasa o material adquirido do laboratório francês Sanofi Pasteur. A nova vacina segue a mesma metodologia de fabricação da vacina contra a gripe sazonal, cujo índice de proteção varia de 60% a 80%. Estima-se que 300 milhões de doses da vacina contra o vírus A(H1N1) já tenham sido ministradas em todo o mundo. “Essa vacina é totalmente segura e protege. Vamos começar a vacinação cinco meses depois de outros países, o que nos dá ainda mais tranquilidade”, diz Temporão. A única restrição é para quem tem alergia a ovos: essas pessoas não poderão ser vacinadas.
Na Europa houve desconfiança em relação à vacina. Políticos europeus chegaram a acusar a OMS de adotar o discurso da indústria farmacêutica, exagerando no alarme da gravidade da pandemia para vender vacinas. A França, que tinha encomendado 94 milhões de doses, tentou cancelar a compra de 50 milhões, segundo o diário The Wall Street Journal. A polêmica na Europa, diz Temporão, é alimentada por “movimentos quase religiosos” que questionam a eficácia das vacinas. Segundo ele, até agora não foram relatadas reações adversas graves à vacina.
Na Europa, onde sobraram doses da vacina por causa da baixa procura, um dos motivos apontados pelos especialistas para esse comportamento é o caráter mais brando da nova gripe no inverno do Hemisfério Norte. Nos Estados Unidos, de acordo com informações do Centro para Prevenção e Controle de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention), também houve um declínio no número de casos registrados até o mês passado. O relatório mais recente do comitê de emergência da OMS aponta um declínio importante nos casos da gripe no mundo. Mas a OMS não vê motivos para reduzir os esforços no combate à propagação do vírus A(H1N1), com vacinas e tratamentos antivirais. Há o risco de mutação do vírus e do surgimento de novos surtos quando começar o inverno do Hemisfério Sul. “O vírus influenza é imprevisível. Se a doença se mostrou mais branda do que em pandemias anteriores, isso não invalida a ação da OMS”, afirma Nancy Bellei. Segundo ela, as afirmações de políticos europeus de que a OMS teria decretado a pandemia de má-fé ignoram o real risco do vírus influenza.
Devido às divergências de opinião no mundo, o Ministério da Saúde encomendou uma pesquisa para saber o que o brasileiro pensa sobre a campanha de vacinação. Os resultados confirmam a mesma adesão que outras campanhas têm conquistado no país: 84% disseram querer tomar a vacina e 70% acreditam em sua eficácia. Mas não se pode ignorar que há pelo menos 30 milhões de brasileiros aguardando mais explicações para decidir o que fazer em relação à nova gripe. Da parte do governo, o maior problema agora é colocar em prática a maior campanha de vacinação da história do país – um desafio logístico que os especialistas consideram enorme. “Estamos tranquilos”, diz o ministro Temporão. “O Brasil tem experiência com grandes campanhas de vacinação.” O Calendário da imunização-Quando serão aplicados os 113 milhões de doses de vacinas – e em quem
DE 8 A 19 DE MARÇO
• Trabalhadores da rede de assistência à saúde e profissionais envolvidos na resposta à pandemia O grupo inclui equipes de limpeza, recepcionistas e motoristas de ambulância, médicos e enfermeiros; e também trabalhadores de laboratórios e de investigação de campo (como agentes de vigilância epidemiológica)
• População indígena
DE 22 DE MARÇO A 2 DE ABRIL
• População com doenças crônicas (exceto idosos) – Obesidade grau 3 (antiga obesidade mórbida) – Doenças respiratórias – Doenças cardíacas – Imunodeprimidos – Diabetes – Doenças hepáticas, renais e hematológicas
• Crianças maiores de 6 meses e menores de 2 anos – Crianças receberão duas meias doses. A segunda deverá ser dada 21 dias após a primeira
• Grávidas em qualquer período da gestação As mulheres que engravidarem após esse período podem se vacinar ao longo das próximas etapas da campanha
DE 5 A 23 DE ABRIL
• População de adultos saudáveis de 20 a 29 anos
DE 24 DE ABRIL A 7 DE MAIO
• Idosos (maiores de 60 anos) com doenças crônicas
DE 10 A 21 DE MAIO
• População de adultos saudáveis de 30 a 39 anos
Obs.: os idosos serão vacinados durante a campanha anual de imunização contra a gripe comum, que terá 22,3 milhões de doses. Aqueles que tiverem doenças crônicas tomarão as duas vacinas

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