sexta-feira, 30 de abril de 2010

Resposta global aos desastres naturais

A erupção de um vulcão perto do Ártico este mês afetou empregos na produção de flores no Quênia e provocou perdas à economia europeia superiores às dos atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. Um tsunami causado por um terremoto no Chile em fevereiro deixou toda a bacia do Pacífico em suspense por mais de 24 horas.Nos últimos dez anos, a economia global sofreu prejuízos de quase US$ 1 trilhão por conta de desastres naturais. Diante de fenômenos que afetam áreas cada vez mais povoadas, com impacto global, a Organização das Nações Unidas criou o primeiro plano internacional de redução de riscos de desastres. O objetivo é que todos os governos signatários adotem até 2015 as diretrizes, uma espécie de guia sobre o que cada cidade, governo estadual e nacional precisa fazer para proteger as populações e alertar países vizinhos dos riscos.
“Precisamos aprender com o que estamos enfrentando para criar um regime de resposta de emergência às crises”, diz Achim Steiner, subsecretário-geral da ONU para o Meio Ambiente.
2004
A consciência de que o mundo precisava de uma estratégia coordenada surgiu quando o tsunami provocado por um terremoto na Ásia em 2004 matou mais de 200 mil pessoas em oito países. E ganhou força com terremotos como os registrados este ano no Chile, Haiti e China.
No caso do Haiti, a própria ONU fracassou. A organização tentou montar a partir de 2004 uma política de redução de riscos no país, mas não conseguiu fazer o projeto vingar a tempo de evitar as 230 mil mortes registradas no tremor de janeiro. O sucesso do plano internacional passa por uma maior eficiência, até mesmo das agências da ONU, criticadas pela burocracia, em criar condições que permitam a países pobres aderir ao programa.
“Pela primeira vez, temos uma consciência global e isso pode mudar a maneira pela qual podemos nos preparar para enfrentar esse desafio”, diz a sueca Margareta Wahlstrom, subsecretária-geral da ONU para a Redução de Riscos de Catástrofe. Além disso, nunca houve tanta capacidade de disseminar rapidamente informação sobre desastres, o que permitiria uma redução considerável do número de vítimas.
Outro argumento é o de que reduzir riscos é atraente em termos econômicos. Para cada US$ 1 investido em prevenção de desastres e planejamento urbano, pode-se economizar até US$ 7 em resgate e reparo de danos.
Passos
A proposta prevê que cada governo nacional e local estabeleça seu plano. O primeiro passo é monitorar áreas de risco e o segundo, montar um sistema de alerta, para permitir a retirada rápida da população. Além disso, padrões de construção mais rigorosos podem garantir que hospitais, escolas, usinas de energia e abastecimento de água continuem funcionando mesmo durante calamidades.
A ONU também vai cobrar dos signatários que façam campanhas de conscientização, ensinando aos moradores como agir em desastres. O processo não se resume aos cidadãos comuns. Membros do governo precisam ser treinados sobre como responder à crise e se comunicar.
Esses princípios podem parecer senso comum. Mas muitos governos não contam com nenhum planejamento nem reservas orçamentárias para lidar com desastres. Experts da ONU admitem que um dos maiores obstáculos para criar a estratégia internacional é convencer políticos de que precisam investir em projetos que não têm visibilidade imediata para os eleitores.
Os dados para justificar esses investimentos falam por si só. Segundo a ONU, o número de desastres naturais passou de uma média de 50 por ano, na década de 60, para 165 por ano na década de 80. Entre 2000 e 2010, foram registrados em média mais de 385 desastres naturais por ano. O número de pessoas afetadas subiu para 2,4 bilhões, ante 1,7 bilhão nos anos 90.
Ásia
Cerca de 85% das 780 mil mortes provocadas por desastres naturais de 2000 a 2009 ocorreram na Ásia. Os eventos mais devastadores foram o tsunami de 2004 (226 mil mortes), o ciclone Nargis, ocorrido em 2008 em Mianmar (138 mil), e o terremoto registrado no mesmo ano em Sichuan, China (87 mil).
Segundo o relatório The Right to Survive, publicado pela ONG Oxfam no ano passado, a vulnerabilidade dos países menos desenvolvidos a catástrofes é evidente. Segundo o documento, nos países mais ricos um desastre natural mata, em média, 23 pessoas. Nos países pobres, essa média é de 1.052 pessoas.
Para Michael Bailey, líder da equipe de questões de segurança humanitária da Oxfam, o motivo dessa disparidade é uma combinação cruel de fatores. “ No Japão, por exemplo, eles estão acostumados a terremotos, então têm um serviço pós-desastre excelente”, afirma. “Nos países pouco desenvolvidos as pessoas morrem muito no pós-desastre. Não têm acesso a comida, a água de qualidade, a um serviço de saúde decente.”
Pelos dados da Oxfam, quase 250 milhões de pessoas foram afetadas por ano por desastres naturais de 1998 a 2007. A ONG prevê que, no caso de fenômenos climáticos, o número de vítimas crescerá 50% em 2015.
“Tentamos mapear uma tendência. Poderá haver mais vulnerabilidade, mas não dá para ser categórico”, diz Bailey. “Por um lado, há mais pessoas morando nas zonas costeiras e favelas; por outro, cerca de 200 milhões de pessoas saíram da zona de pobreza nos últimos anos.”
Brasil
Estudos do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que o Brasil acompanha essa tendência internacional de aumento da vulnerabilidade a “eventos climáticos extremos”. Enquanto no Sudeste e no Sul isso significa aumento de picos de chuva, no Nordeste e no leste da Amazônia são esperadas secas mais intensas.
Na Região Sudeste, por exemplo, o Inpe detectou um aumento do número de dias com precipitações que superam 30 ou 40 milímetros. “A relação não é direta: se houver mais chuva haverá mais mortes”, explica o pesquisador José Marengo. “Há um componente não climático que conta: o péssimo planejamento das cidades.” (Com a colaboração de Karina Ninni e Fernanda Fava, especial para O Estado, e Adriana Carranca)
Tsai Ba Mao, de Jiegu, na China
"Reze pelos mortos.” A frase, escrita em chinês e tibetano, está estampada num cartaz na entrada do acampamento organizado por monges budistas em Jiegu, uma das cidades chinesas mais afetadas pelo terremoto que matou mais de 2 mil pessoas este mês.
Tsai Ba Mao, de 63 anos, quase não sai da sua tenda. “A dor é grande demais”, diz Tsai, que perdeu o filho de 34 anos. A ajuda dos monges – que inclui enterros ou cremações de vítimas – supria o socorro insuficiente dado pelo governo.
Mas Pequim vem barrando o trabalho dos budistas, supostamente por razões políticas. “O governo pode, sim, nos ajudar a reconstruir nossas casas”, afirma Tsai. “Mas eles não conseguem curar a dor nos nossos corações nem rezar por nossos mortos.” (Do The New York Times)
Patrícia Martinez, da Islândia
A arquiteta Patrícia Martinez embarcou para férias na Itália em 12 de abril, com volta prevista para o dia 17. Depois de visitar a edição 2010 da Feira de Milão, que antecipa tendências de design, soube, no dia marcado para a volta, que os voos não estavam saindo por causa das cinzas lançadas nos céus europeus pela erupção do vulcão Eyjafjallajoekull, na Islândia.
“Minha passagem para São Paulo era via Frankfurt, mas não tinha como chegar na Alemanha. As companhias aéreas estavam mandando a gente ir para o aeroporto e esperar. Não entrei nessa. Decidi ficar no apartamento de uns amigos. Era para passar 4 noites na Itália, acabei ficando 11”, diz Patrícia, que só consegui voltar ao Brasil no sábado. (Por Karina Ninni)
Ederval dos Santos, do Rio de Janeiro
Quase um mês depois das chuvas que mataram pelo menos 256 pessoas no Rio, muitas famílias ainda não foram incluídas nos programas de habitação dos governos municipais e estadual. A situação é mais crítica em Niterói, onde 168 corpos já foram resgatados em deslizamentos.
Sem ter uma perspectiva de quando passará a receber o chamado aluguel social, o gari Ederval Rodrigo dos Santos, de 41 anos, decidiu voltar para casa, localizada a 300 metros da encosta atingida pelo desabamento do Morro do Bumba, que soterrou pelo menos 60 imóveis. O número de vítimas na favela, construída sobre um lixão, passa de 50.
“Sei dos riscos, mas o que posso fazer? Não me deram garantias de que vou receber o aluguel. Não tenho como deixar minha casa. Para onde levo meus móveis?”, diz o gari, que fez uma ligação clandestina de eletricidade para reocupar o imóvel. A prefeitura não informou quando começará a pagar o auxílio às vítimas. Segundo a Defensoria Pública do Estado, 7 mil pessoas ficaram desabrigadas na cidade. (Por Gabriela Moreira)
José Olate, de Arauco, no Chile
Dois meses depois do terremoto que devastou o Chile, milhares de desabrigados ainda esperam por uma solução definitiva. Em Arauco, região que teve várias cidades varridas pelo tsunami causado pelos tremores, 85% das casas estão inabitáveis. A solução oferecida pelo governo é pouco melhor que os barracos de favelas brasileiras: casas de madeira, sem janela, forro, piso e banheiro, numa área onde as temperaturas caem a menos 10 graus no inverno.
José Fernández Olate, de 9 anos, e a mãe viveram semanas sob lonas plásticas num dos morros que circundam Arauco, com medo de novas ondas gigantes. “Tenho medo de ter de viver num barraco, mas também tenho medo de ficar passando frio na montanha.” (Por João Paulo Charleaux)
Andrea Christa, de Porto Príncipe, no Haiti
Pela segunda vez em 4 meses, a manicure Andrea Christa, de 28 anos, tenta reorganizar a vida como pode: sem água, luz ou teto para morar com o filho de 1 ano. Bel Air, o bairro onde vivia, foi dos mais atingidos pelo terremoto que matou 230 mil pessoas, em janeiro.
Sua pequena casa, que servia também como salão de beleza, foi reduzida a escombros. Sob tendas plásticas, Andrea improvisou um salão no campo de refugiados em que foi transformado o Estádio Sylvio Cator. Por 25 gourdes (R$ 1,10) fazia pé e mão. Mas os 7.300 haitianos abrigados ali tiveram de sair, no dia 12. O governo tem esvaziado campos com risco de inundação no período de chuvas, a partir de maio. O Haiti tem 1,3 milhão de desabrigados.

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