segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Exame esbarra em burocracia-Surdez

Ponta Grossa - O recém-nascido surdo não apresenta nenhum tipo de sintoma. Até 2001, quando o teste da orelhinha era feito apenas em consultórios particulares, a maioria dos pais só descobria que o seu filho não ouvia quando ele já estava grande e ainda não conseguia falar. Com a inclusão do teste na tabela de serviços pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS), algumas maternidades e prefeituras começaram a aderir ao exame. A partir daí, no Brasil, o número de bebês examinados cresceu 46% de 2008 para 2009. No Paraná, o salto foi de 171% devido à regulamentação da lei estadual que prevê o procedimento. No início deste mês entrou em vigor uma lei federal que exige o teste da orelhinha em todos os estabelecimentos de saúde, mas, como ela ainda não foi regulamentada, a implantação efetiva gera dúvidas em médicos da área. Legislação
A maternidade deverá dispor do equipamento e de um profissional habilitado para examinar o ouvido dos bebês. O equipamento custa em torno de R$ 30 mil e, sem a regulamentação, não é possível saber quem irá bancar o material. A lei estadual em vigor no Paraná desde 2004, mas regulamentada apenas em 2009, estipula que os custos do exame são de responsabilidade de quem fez o parto, ou seja, se a mãe deu à luz na rede pública, é o SUS quem paga o procedimento. Se a família tem convênio de saúde, é a operadora quem custeia o teste, no entanto, segundo o presidente da Associação dos Hos­­pitais do Paraná, Benno Kreisel, nem todas as operadoras de saúde pagam o procedimento.
A eficácia do exame também depende da conscientização dos pais. Segundo o otorrinolaringologista pediatra do Hospital Pequeno Príncipe, Lauro João Lobo Alcântara, o ideal é que o teste da orelhinha seja realizado antes da alta do bebê, mas, em muitos casos, o exame é deixado para mais tarde. “Muitos pais não levam os bebês para fazer o exame. Acham que ele não tem importância”, explica a fonoaudióloga de Ponta Grossa, Denise Ienk. Por causa disso, conta Carolina Funchal de Faria, fonoaudióloga de um centro de referência em triagem auditiva em Foz do Iguaçu, foi necessário fazer campanhas para incentivar as mães da fronteira a fazer o exame e as confirmações.
Baixo índice
Em 2008, das 2,7 milhões de crianças nascidas, de acordo com o indicador de registro de nascimento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) em todo o país, 183,7 mil fizeram o teste da orelhinha, o que representa um atendimento de apenas 6%. No ano seguinte, o número de exames passou para 267,9 mil, o que representou um crescimento de 46%. No Paraná, no mesmo período, a quantidade de crianças examinadas au­­mentou de 4,6 mil para 12,7 mil, enquanto que o número de nascimentos é de cerca de 150 mil bebês por ano. “Ainda não é o ideal, pois gostaríamos de fazer em todos os bebês”, fala o superintendente de Gestão de Sis­­tema em Saúde da Secretaria Es­­tadual de Saúde, Irvando Carulla.
Kreisel, da Associação dos Hospitais, acredita que o ideal seria que o teste da orelhinha fosse realizado somente em crianças de grupos de risco, como prematuros, para equilibrar as despesas do SUS. “O país já tem tanta dificuldade de receita que eu acho que talvez fosse melhor fazer o teste nas crianças de alto risco”, aponta. Para pais que têm filhos surdos, a lei surge como uma promessa de tratamento nos primeiros meses de vida e a consequente reabilitação, já que a cura não existe. “Perdemos dois anos de tratamento”, afirma Estacho Douhei, pai de Natascha, que fez implante coclear (ouvido biônico) aos três anos de idade. “Foi ótimo. Assim, os pais estarão mais bem orientados”, afirma Janete Trindade do Vale, presidente da Associação Paranaen­­se de Implante Coclear.
Não esqueça
Três procedimentos, muito simples de serem realizados, são fundamentais para detectar várias doenças em recém-nascidos.
Teste da orelhinha
Indolor, o exame é realizado quando o bebê está mamando ou dormindo, com a introdução de um equipamento próximo aos ouvidos, sem a necessidade de sedação. O teste identifica problemas de audição e é refeito em casos de confirmação, com exames mais sofisticados. Estima-se que a cada mil nascimentos, de um a três bebês tenham surdez.
Teste do pezinho
Implantado na rede pública em 2001, por meio da portaria 822, o teste do pezinho, ou triagem neonatal, identifica quatro doenças: hipotireoidismo congênito, fenilcetonúria, hemoglobinopatias e fibrose cística. Ele é feito através da coleta de sangue do pé do bebê entre o terceiro e o sétimo dia de vida.
Teste do olhinho
O teste do reflexo vermelho, ou teste do olhinho, ainda não é exigido por lei fe­­deral, mas é pago pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e, no Paraná, é deter­­minado por uma lei estadual que exige o procedimento. Ele é rápido e indolor. Com o uso de um equipamento cha­­ma­­do oftalmoscópio, o profissional, que pode ser um pediatra treinado, identifica qualquer doença que obs­­trua o eixo visual, como catarata, glaucoma e tumores.
Cirurgia de reabilitação já é paga pelo SUS
Lucas Emanuel Preto tem 1 ano e 9 meses de idade e há sete fez o im­­plante coclear.No consultório da fonoaudióloga Denise Ienk, ele in­­terage com o ambiente e balbucia pequenas palavras. O entendimento de mundo que Lucas tem hoje é comemorado pelos pais Alessandra e José Carlos Preto, que descobriram no primeiro mês de vida de Lucas que ele tinha deficiência auditiva ao fazer o teste da orelhinha.O garoto não fazia parte do grupo de risco, mas sim da estatística de que a cada mil bebês nascidos vivos, de um a três são surdos. Como o Paraná só foi credenciado no último dia 18 pelo Sistema Úni­­co de Saúde (SUS) para realizar a cirurgia de ouvido biônico, todo o procedimento teve de ser feito em Campinas, interior de São Paulo.
A portaria do Ministério da Saúde incluiu o Hospital Pequeno Príncipe e o Hospital de Clínicas, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), no procedimento, o que é uma esperança para pais que têm filhos com deficiência auditiva severa. O superintendente de Ges­­tão de Sistema em Saúde da Se­­cretaria Estadual de Saúde, Irvan­­do Carulla, lembra que até então o procedimento era realizado apenas para pacientes particulares e de convênio.
“Não adianta nada chegar para a família e dizer: teu filho é surdo. Você tem de garantir toda a infraestrutura de tratamento”, lembra o otorrinolaringologista pediatra do Hospital Pequeno Príncipe, Lauro João Lobo Alcântara. Os centros de atendimento a deficientes auditivos na rede pública estão concentrados nas cidades de mé­­dio e grande porte. Hoje são 19 centros, sendo oito especializados em crianças.
Em Foz do Iguaçu, onde o teste é universalizado, com atendimento médio de 500 bebês por mês, o encaminhamento é feito somente até a colocação de próteses. “Em nosso programa, o atendimento possibilita até o momento da protetização, sendo depois encaminhado para intervenção cirúrgica em outros centros como Curitiba e São Paulo”, explica a fonoaudióloga Carolina Funchal de Faria.
Conforme Lauro Alcântara, se a surdez for diagnosticada antes dos três meses e o tratamento se iniciar em até seis meses de idade, as chances de reabilitação são maiores. O pequeno Lucas é um exemplo. Ele fala algumas palavras e entende o significado de algumas coisas. A fonoaudióloga Denise lembra que a criança cuja surdez é identificada de forma precoce e tem o tratamento iniciado o mais rapidamente possível tem uma audição semelhante à de uma criança normal.

Nenhum comentário:

Postar um comentário