terça-feira, 28 de setembro de 2010

Remédio "tarja preta" para deficit de atenção vira festa na balada

Para "aproveitar" a balada, o enfermeiro André (nome fictício), 24, costumava tomar comprimidos de ecstasy. Há três meses, trocou a droga ilícita por Ritalina, medicamento vendido em algumas farmácias apenas com receita, que fica retida.
Apelidada de "Rita" na noite, a droga indicada para tratar deficit de atenção e hiperatividade vem sendo usada como estimulante. Sua base é o metilfenidato, de composição similar à anfetamina, que estimula o sistema nervoso central.
"Você se sente gostoso, bonito. Dá sensação de poder e um arrepio bom, como se você fosse ter um orgasmo", descreve André. Ele diz aspirar o farelo do comprimido para sentir o "barato".O enfermeiro diz ter conhecido os efeitos entorpecentes da Ritalina com amigos médicos.
Antes de saírem para a balada, eles espremem os comprimidos com uma colher e guardam o pó num saquinho. "Uma cartela com 30 serve para quatro pessoas cheirarem a noite toda."
O aumento da sede, um dos efeitos do remédio, costuma ser saciado com vodca. "Daí tudo melhora: a música fica mais legal e as pessoas ficam mais bonitas", afirma.
Ele admite que, sob o efeito da droga, fica com até dez pessoas numa mesma noite. Quando volta para casa, a agitação é tanta que só consegue dormir se tomar Rivotril, calmante que também só pode ser comercializado com receita médica.
Na casa noturna que ele costuma frequentar, no bairro da Lapa, em São Paulo, é comum ver um aglomerado de jovens descamisados dançando espremidos perto das caixas de som. "Aquilo é a Faixa de Gaza", descreve André: "Só tem droga".
A reportagem da Folha acompanhou uma noite nessa casa noturna. Lá, o estudante de publicidade César, 21, admitiu já ter usado Ritalina na balada: "Sou tímido. Quando tomo [a Ritalina], fico com mais coragem de chegar perto das pessoas", disse.
O rapaz admite que não é difícil consegui-la: "Você acha vendendo na internet".
As histórias de André e de César não são casos isolados.
Segundo Arthur Guerra, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos sobre Drogas do Hospital das Clínicas, é comum encontrar jovens tomando medicamentos de forma recreativa.
"Eles querem é sentir uma coisa diferente", diz o psiquiatra. Guerra alerta para os efeitos colaterais da "Rita": taquicardia e até quadros de paranoia, dependendo do ambiente em que estiver e da predisposição da pessoa.
SEM CONTROLE
Elisaldo Carlini, diretor do Cebrid (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, da Unifesp), lamenta não haver ainda levantamento sobre esse uso do medicamento, mas confirma que os casos são comuns.
Segundo ele, apesar da venda controlada, não é difícil comprar o remédio: "Tem quem importe, quem falsifique receita. O que não falta é criatividade para venderem de forma ilegal", afirma.
Adilson Bezerra, chefe de segurança institucional da Anvisa, informa que tanto a venda irregular quanto clandestina desses medicamentos são reprimidas pela Vigilância. A agência mantém convênio com a Polícia Federal para monitorar sites e comunidades de redes sociais, além de fiscalizar a venda de remédios controlados nas farmácias do país.

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