sexta-feira, 1 de julho de 2016

Zika não deve ser problema durante Olimpíada, diz cientista americano

Anthony Fauci, diretor de instituto nacional de saúde, falou ao G1 sobre tema.
Instituto americano tem parcerias com Brasil em projetos de vacina.

Mariana LenharoDo G1, em São Paulo
Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) do governo americano (Foto: Reprodução/Twitter/NIAID)Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID) do governo americano (Foto: Reprodução/Twitter/NIAID)
Às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, uma das preocupações dos atletas e visitantes estrangeiros é em relação ao vírus da zika. Amplamente espalhado pelo país, especialmente no estado do Rio, o vírus foi associado ao nascimento de bebês com microcefalia e outros danos neurológicos, além da ocorrência da síndrome de Guillain-Barré em adultos.
Mas, para o imunologista americano Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID), parte dos Institutos Nacionais de Saúde do governo americano (NIH), o vírus da zika não deve ser um problema durante o evento. O cientista, que é uma autoridade mundial em HIV e em doenças emergentes como ebola e zika, falou por telefone ao G1 sobre desenvolvimento de vacinas, colaboração científica entre Brasil e Estados Unidos e sobre os principais temores associados à atual epidemia.
Leia os principais trechos da conversa:
Você acha que a Olimpíada no Rio pode ajudar a espalhar o zika pelo mundo?
Como eu já disse outras vezes, realmente não há motivo para cancelar ou adiar a Olimpíada no Brasil porque o número de pessoas que vêm para o Brasil de qualquer forma regularmente é tão maior do que o número de pessoas a mais que virão por causa da Olimpíada que não achamos que exista um risco grande de se espalhar o vírus pelo mundo.
Consideramos fortemente que mulheres grávidas não devam vir ao Brasil porque há transmissão ativa do vírus no país. Mas, fora desse grupo, não vejo a zika como um problema para o Brasil na Olimpíada.
 
O NIAID trabalha em vários projetos de vacina de zika. Há parcerias com o Brasil?
Nem todos os projetos estão diretamente relacionados a uma parceria atual, mas virtualmente todos eles envolverão uma parceria com o Brasil no futuro.
O projeto que está diretamente ligado a uma parceria preestabelecida com o Brasil é o que chamamos de vacina de vírus vivo atenuado, muito similar ao da vacina de dengue e feita quase da mesma forma. Isso é feito em parceria com o Instituto Butantan.
As outras candidatas a vacina devem futuramente envolver parcerias com organizações no Brasil, incluindo a Fiocruz e outras. Então, em última instância, quando testarmos as vacinas, isso quase invariavelmente será feito com parcerias com colegas brasileiros – ou cientistas individuais ou organizações como o Butantan.
Começaremos aqui nos EUA os testes clínicos de fase 1, para um número menor de pessoas. Mas os grandes testes que determinam se a vacina é realmente efetiva terão que ser feitos em países e regiões onde existe infecção ativa. Porque você não pode provar a eficácia de uma vacina a não ser que você faça o teste em um local com infecção ativa.
Provavelmente começaremos os testes de eficácia no início de 2017. Os testes preliminares, apenas para segurança, que envolvem relativamente poucas pessoas, vão começar em 2016, provavelmente no fim de agosto e começo de setembro. Mas será só no início de 2017 que começaremos os testes maiores, de eficácia.
Os EUA têm dinheiro disponível para pesquisas sobre zika?
Há uma grande batalha ocorrendo no Congresso em que o presidente Barack Obama pediu US$ 1,9 bilhão para financiar trabalhos feitos pela minha instituição, pelos Centros de Prevenção e Controle de Doenças (CDC), pelo FDA [órgão equivalente à Anvisa] e pela Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID).
E o congresso ainda não aprovou o dinheiro que o presidente pediu, então estamos usando dinheiro emprestado de outros projetos. Estamos fazendo o trabalho que precisamos fazer com zika. Mas logo, se não recebermos mais dinheiro do Congresso nas próximas semanas ou meses, ficaremos sem dinheiro.
A vacina de zika é mais simples do que a de dengue?
Não se pode fazer essa suposição, mas eu acho que é algo razoável de se esperar. Como há um único sorotipo de zika circulando na América do Sul, América Central e Caribe, diferentemente da dengue (que tem 4 sorotipos), é razoável esperar que seria mais fácil desenvolver uma vacina para zika.
Mas não queremos ser excessivamente confiantes. Parece que é dessa forma por causa da maior simplicidade do zika, que é um único tipo de vírus.
Dezenas de instituições estão trabalhando em vacinas contra zika. Essa competição é positiva?
Elas estão colaborando entre si, mas também estão competindo, o que é bom. Quando se está tentando desenvolver uma vacina, é um fenômeno saudável ter múltiplas opções porque as vacinas são um pouco tênues. Sempre encontramos dificuldades que não eram previsíveis, então ter múltiplos candidatos ao mesmo tempo é mais uma vantagem do que uma desvantagem.
É possível saber se uma pessoa que já foi infectada por zika fica imunizada?
Esta é uma suposição razoável porque se você olhar para vírus como o da febre amarela, o vírus do oeste do Nilo, até a dengue, se você é infectado por um sorotipo, você fica protegido contra aquele sorotipo específico. Então é razoável supor que se você for infectado por zika, ficará protegido de novas infecções.
Sobre isso, há um estudo interessante que saiu esta semana na revista “Nature”. O estudo em um modelo de macaco mostrou que se você infectar um macaco com zika e voltar a expor esse macaco ao vírus, ele estará protegido.
No Brasil, isso não significaria que em alguns anos todos estariam naturalmente protegidos?
Muitos estarão. Mas é preciso lembrar que a cada ano haverá um coeficiente de nascimentos que estará suscetível. Então se você tivesse uma população estática em que ninguém nascesse, aí poderia dizer que todos estariam protegidos. Mas a cada ano, milhões de pessoas novas entram para a população.
Um estudo recente concluiu que uma exposição prévia à dengue pode levar a um quadro mais severo de zika. Isso é preocupante para o Brasil?
Eu teria cuidado para não exagerar na interpretação desse estudo. Porque ele foi feito in vitro e só porque algo é visto in vitro não indica realmente que você vai ver aquele fenômeno no mundo real, in vivo.
Não parece que pessoas infectadas por zika que viveram no Brasil a vida inteira têm alguma diferença de infecção em relação a viajantes que apenas passaram pouco tempo no Brasil e não tiveram infecções prévias de dengue.
Aliás, temos agora nos EUA mais de 800 pessoas que são americanos que viajaraml a trabalho ou a turismo, voltaram aos EUA e desenvolveram zika que contraíram no Brasil, Colômbia ou Porto Rico.
E o quadro deles não é diferente do que o de brasileiros que têm vivido no Brasil durante toda a vida e já foram expostos à dengue.

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