
A tendência à doença está sendo identificada em mais universidades. Na Faculdade de Medicina do ABC, na cidade paulista de Santo André, pesquisa coordenada pelo Serviço de Orientação Psicológica ao Aluno revelou que 38% dos acadêmicos exibiam queixas características desse tipo de distúrbio psiquiátrico, como tristeza, falta de concentração, desânimo e um profundo cansaço. A pesquisa, divulgada no portal internacional de publicações médicas Biomed Central, serviu para evidenciar ainda mais a necessidade de entender o que leva os jovens médicos a cair em depressão e o que as escolas precisam fazer para ajudá-los a se recuperar.No estudo de Santo André, por exemplo, viu-se que o maior número de casos estava concentrado nos dois últimos anos de faculdade, período conhecido como internato, em que os alunos vivenciam na prática o que aprenderam na teoria. Foi exatamente nessa fase que o estudante Álvaro Faria, 26 anos, sofreu com a doença. “Eu me sentia muito mal. Achei que medicina não era para mim, que não suportaria mais aquele sofrimento”, lembra. Em rodas de amigos, não tinha assunto que não fossem os problemas do hospital. Seu limite de saturação foi a morte de um paciente diabético que precisava fazer uma cirurgia de urgência. O doente morreu antes que a equipe médica conseguisse estabilizar seus níveis de glicose – medida que precisava ser tomada antes da operação. Por muito pouco poderia ter sido salvo. “Não consegui tirar a cena da mente naquela semana. Entrava no hospital me questionando se seria capaz de salvar alguém naquele dia”, lembra. Diagnosticado por um serviço de apoio criado na escola, ele foi tratado com antidepressivos e psicoterapia por cerca de um ano.
Além do choque com a dura realidade do sistema de saúde brasileiro

Em um contexto rígido como esse, é mais difícil para os estudantes admitir que têm alguma dificuldade e procurar ajuda. “Pelo menos uma vez por dia recebo um aluno com sintomas depressivos. Muitos têm medo de ser alvo de preconceito”, conta Regina Granato, coordenadora do curso de medicina da Universidade Federal Fluminense. É um temor justificável. Até hoje, a depressão ainda é vista, muitas vezes, como sinônimo de fraqueza emocional – embora esteja mais do que provado que se trata de uma doença. Em um ambiente competitivo como o da medicina, o equívoco de julgamento pode se tornar um grande problema na vida do profissional. Por isso, é importante que o jovem médico esteja atento a esse aspecto e não caia na armadilha de negligenciar os próprios sintomas.Oferecer opções de tratamento a esses jovens é essencial. “As faculdades devem prestar apoio psicológico aos profissionais da saúde. Cerca de 80% das que estão sediadas no Sul e no Sudeste já fazem isso”, diz o psiquiatra Baldassin. Além disso, o atendimento precisa ser individualizado. “O que funciona para um caso não se aplicará necessariamente a outro”, explica.
No trabalho feito com os profissionais, um dos objetivos é ajudá-los a enfrentar frustrações como a morte de um doente. “Escolher a medicina é ter poder sobre a morte e a vida, é querer ser onipotente”, afirma Rezende. Mas não é fácil para os jovens ver essa ideia desmistificada. “Também é preciso criar mecanismos para não sofrer junto com o doente”, diz a médica Regina Granato, do Rio de Janeiro. “Continuamos nos compadecendo, mas é necessário criar uma defesa para não absorver a tristeza.” O jovem Álvaro Faria parece ter entendido a lição. “Por melhor que você seja, não conseguirá salvar todos. Mas hoje, depois do que passei, no fim do dia tenho a convicção de que fui bem-sucedido quando dei o meu melhor”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário