terça-feira, 9 de junho de 2009

Droga atinge escolas públicas



O crack chega aos estabelecimentos de ensino, mas o grave problema ainda não está dimensionadoEstudantes com perda de peso repentina, queimaduras nas mãos e na boca, com grande número de faltas e comportamento apático ou agitado demais. Os sinais mostram que o crack já atravessou os muros das escolas, como é o caso da EMEIF Vereadora Maria Zélia Correia, no bairro Planalto Ayrton Senna, com cerca de 1.100 alunos divididos nos três turnos.Roubos também já foram registrados no local. No mais recente foram levadas quatro caixas-de-som que ficavam no pátio da escola e eram utilizadas para transmitir recados e músicas durante os intervalos das aulas. Os responsáveis admitiram ter vendido o material para comprar pedras de crack, ali mesmo na vizinhança.De acordo com o vice-diretor Hobson Almeida Cruz, o vício do crack geralmente tem início na maconha. Um dos casos mais emblemáticos, conta ele, é de um aluno de 15 anos que estuda num turno e trabalha como catador de lixo no outro para sustentar o vício. Ele lembra também de um aluno, que se destacava no futebol de salão, mas tem perdido o jogo contra o crack. “Esta droga está tirando talentos”, lamenta.Hobson afirma, contudo, que ainda não há estatísticas sobre quantos alunos são usuários de crack na escola e que os casos são difíceis de serem detectados. “Os sinais de que o aluno está viciado podem ser confundidos, por exemplo, com distúrbios alimentares ou problemas de disciplina”, revela.Para Hobson, falta orientação específica tanto para os gestores da educação como para os pais dos estudantes - alguns dos quais também já viciados em crack. “É preciso que seja desenvolvido um projeto que envolva diversos setores, como educação, saúde e esporte”, defende. “O problema do avanço do crack entre os jovens tem diversas origens, mas uma delas tem relação, por exemplo, com a carência de áreas de lazer, principalmente nos bairros mais carentes”.SuperaPara tentar minimizar o problema, gestores da rede pública foram convidados a participar de um curso on line promovido pelo Governo Federal, através do Sistema para detecção do Uso abusivo e dependência de substâncias Psicoativas: Encaminhamento, Intervenção breve, Reinserção social e Acompanhamento (Supera). O projeto, voltado essencialmente para profissionais da área de saúde, está em sua segunda edição e é promovido pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).O objetivo da iniciativa é transmitir conhecimentos para a correta identificação e diagnóstico dos usuários de álcool e outras drogas, instrumentalizando-os para trabalharem com os diferentes modelos de prevenção, formas adequadas de intervenção e encaminhamento, além de outras demandas existentes em seu cotidiano de trabalho, sempre em consonância com as orientações e diretrizes da Política Nacional sobre Drogas (PNAD).Problema é conhecido“Não há dados oficiais sobre o avanço do consumo de crack entre estudantes da rede pública. Sabe-se que a realidade existe, apenas não se sabe a gravidade e nem o quanto tem interferido na rotina da escola”. Quem afirma é o coordenador de Ensino Fundamental e Médio da Secretaria Municipal de Educação (SME), Arlindo Araújo.Segundo ele, apesar das evidências que mostram o avanço do crack nas escolas, a situação ainda não motivou uma intervenção específica, além das abordagens já realizadas atualmente em torno do problema. “Os relatos que recebemos, principalmente de escolas localizadas em áreas consideradas de maior risco social, mostram que já se registra a presença do vício entre estudantes, mas nada que merecesse um plano específico”, acrescenta. “Temas como as drogas já são tratados de maneira transversal no currículo das escolas”.SAÚDE PÚBLICAPostos sentem impacto do crackApesar de ainda não haver dados oficiais sobre o impacto do uso do crack na saúde pública, a enfermeira do Programa Saúde da Família (PSF) Emanuella Carneiro, do Posto de Saúde César Cals, no Lagamar, acredita que os reflexos do crescimento do uso da droga já começam a aparecer.Os postos de saúde são a porta do atendimento básico e costumam ser os primeiros a sentir os impactos de qualquer problema no setor. Segundo Emanuella, no César Cals, ainda não há como quantificar ou estabelecer uma relação entre o uso do crack e qualquer que seja a doença. “Mas é claro o aumento dos problemas respiratórios, principalmente tuberculose, doenças sexualmente transmissíveis, cortes e escoriações decorrentes de agressões e queimaduras no rosto e nas mãos”, revela. “Alguns têm relação com o uso do crack, mas não sabemos quantos”.Ela explica que o crack tem efeitos diretos sobre os usuários, mas os malefícios também podem atingir pessoas próximas a quem usa a droga. “Recebemos muitos idosos aqui com crises de hipertensão em decorrência de discussões e preocupações com filhos ou netos que fazem uso do crack”, conta Emanuella.De acordo com a agente de saúde Célia de Castro, a abordagem dos usuários de crack é difícil. Ela, que trabalha na área do bairro Planalto Ayrton Senna, conta que muitos não admitem o vício por temerem problemas com a polícia. “Fazer eles entenderem que não temos relação com a polícia e que nosso objetivo não denunciá-los é muito complicado. É uma relação de confiança”, afirma. “Outro desafio é fazer com que não abandonem o tratamento da tuberculose, o problema mais comum”.
FILIPE PALÁCIO Repórter.

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