domingo, 14 de junho de 2009

Na vanguarda do transplante


A médica Carmen Vergueiro liderou uma revolução que levou o Brasil a formar o terceiro maior banco de medula óssea do mundoA rotina da médica paulista Carmen Vergueiro, 48 anos, é lidar com a esperança de vida das pessoas com leucemia - um tipo de câncer que afeta a medula óssea, órgão responsável pela produção das células sanguíneas. Tratada com medicamentos especiais, em alguns casos a única solução para restaurar essa fábrica de células é o transplante. Dessa maneira, troca-se a engrenagem defeituosa por outra sem problemas. Especialista em hematologia, Carmen coordena o laboratório da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, onde são testadas amostras de medula de doadores para verificar a compatibilidade com os receptores que aguardam por esse procedimento. Cada par constituído equivale a uma vida salva. Mas isso é raro, uma vez que as chances de acerto não são altas. Para se ter uma ideia, a possibilidade de encontrar um doador compatível entre irmãos é de 25%. Na população em geral, cai para uma em 100 mil.
Ciente da dificuldade de fechar essa equação, mas inconformada com o drama das famílias que não encontram doadores, Carmen se perguntava se não haveria um jeito de elevar nem que fosse um pouco as chances dos pacientes. Estimulada pelo desejo de ajudar e pelo conhecimento que tem da área, engajou-se pessoalmente no esforço de aumentar o número de doadores. Seu trabalho neste sentido contribuiu muito para uma conquista comemorada no mês passado: a marca de um milhão de doadores inscritos no Registro Nacional de Doadores de Medula (Redome). Assim, o Brasil tornou-se o terceiro maior banco de medula óssea do mundo. O primeiro está nos Estados Unidos (sete milhões) e o segundo, na Alemanha (três milhões). Quando iniciou sua luta, nove anos atrás em São Paulo, a quantidade de doadores no País chegava a 14 mil.
Outra vitória foi a inclusão, também em maio, do Redome na rede internacional de bancos de medula. É a comprovação de que o serviço alcançou o padrão internacional de qualidade e poderá ser usado como fonte confiável por pacientes de outras nacionalidades. Até então, os brasileiros apenas se serviam de bancos internacionais de medula - sem retribuir - para atender doentes para os quais não se encontravam doadores no País. Com o reconhecimento, começa a haver uma troca que irá reduzir custos da busca por doadores em bancos estrangeiros.
Dona de um currículo médico invejável - tem mestrado e doutorado na área, além de ser professora da Faculdade de Medicina da Santa Casa -, Carmen sempre acreditou que a informação era o caminho mais rápido para que o País chegasse aonde chegou nesta área. "Vi que tinha de começar esclarecendo a população", lembra. "Quase todo mundo pode ser doador. Basta ter entre 18 e 55 anos e ser saudável", diz. Para fazer esse dado alcançar as pessoas, a médica foi atrás de patrocínios que pagassem a confecção de folhetos e a realização de workshops.
Carmen fez centenas de palestras e também convocou a ajuda voluntária da jornalista Ivany Turíbio para realizar um vídeo, hoje exibido nos hemocentros de São Paulo, encorajando a doação. O objetivo é mostrar que o processo não é tão complicado quanto se imagina. Há dois métodos para extrair a medula de um doador. O mais comum é fazer uma punção nos ossos da bacia (a medula é um líquido que fica no interior dos ossos). O outro caminho é um processo que leva cerca de quatro horas, se parece com uma hemodiálise e é feito com o auxílio de uma máquina.
A princípio, porém, quando a pessoa se cadastra, é retirada apenas uma amostra de sangue da veia para análise das características genéticas. A retirada definitiva só se dá quando aparece um receptor compatível.
Outro passo importante foi a criação de uma instituição, a Associação da Medula Óssea (Ameo), que ajuda os próprios pacientes a buscar e cadastrar doadores. Uma das atividades da entidade, presidida pela médica, é formar grupos para visitar cidades e faculdades para cadastrar doadores. "Faço isso nos finais de semana", diz Carmen.
Essa ideia, particularmente, rende muitos frutos. Foi por meio de uma campanha dessas, por exemplo, que a estudante paulista Renata Taube, 21anos, conseguiu 500 doadores na faculdade onde estuda, a Armando Álvares Penteado, em São Paulo. Ela resolveu contribuir logo depois de saber que era portadora de leucemia. Isso foi em 2007. Naquele momento, Renata não tinha nenhuma indicação para transplante. Dois anos depois, contudo, foi obrigada a passar pela intervenção. A cirurgia aconteceu há três meses e a estudante, como outros, felizmente, experimentou o poder da solidariedade. "Fui obrigada a repetir o transplante porque o primeiro não deu certo", conta. "No começo, fiquei assustada porque o meu doador disse que era um momento complicado para doar pela segunda vez", lembra.
O rapaz, americano, alegou compromissos pessoais, mas no final acabou entendendo a necessidade da estudante e fez nova doação.
O modelo criado por Carmen em São Paulo serviu de inspiração para outras entidades espalhadas pelo Brasil. Com seu trabalho, elas também contribuíram para a expansão do banco de doadores. Satisfeita com os avanços que obteve - só em São Paulo há 150 mil inscritos -, a médica já está com os olhos no futuro. "O desafio é manter o cadastro atualizado, para não perder as pessoas, e ampliar o número de hospitais capacitados para fazer o transplante."
Uma das pessoas inscritas como doadoras é a professora aposentada paulista Suely Moreira Walton, 57 anos. Ela resolveu se cadastrar depois da morte de um irmão. "David morreu antes de achar um doador compatível", lembra. Suely já fez duas doações e acabou se envolvendo tanto com o tema que se tornou uma espécie de militante das campanhas para aumentar o número de doadores. É assim, com o apoio de pessoas como essas, que Carmen, aos poucos, vai aumentando as chances de vida dos pacientes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário