quinta-feira, 3 de setembro de 2009

A (H1N1): uma lição para a segunda onda

DAVID UIP, JOSÉ OTÁVIO COSTA AULER JUNIOR e MARCOS BOULOS
A previsão para nosso próximo inverno não é boa, pois a gripe deverá voltar ao país, talvez com um número ainda maior de casos .
APESAR DA diminuição da intensidade da contaminação pela influenza A (H1N1) entre nós e do muito que já sabemos sobre essa pandemia, precisamos estar atentos para as nuances do ocorrido e para as possibilidades evolutivas da doença.
As pandemias, como o nome já aponta, têm ampla distribuição geográfica e não é pouco frequente que fiquem "circulando" pelo mundo, às vezes por muitos anos, até que grande parte da população mundial tenha contato com o agente infectante (o vírus H1N1, no caso) e a imunidade coletiva prevaleça.
No caso da atual pandemia recém-iniciada, cuja infecção é transmitida por gotículas de saliva que ficam no ambiente, a transmissão é elevada e acompanha o clima frio. Até aí, nenhuma novidade: todos sabem que ficamos mais gripados no inverno.
Acontece que, com as diferentes estações nos dois hemisférios, quando o inverno vai embora do hemisfério Sul, principia no hemisfério Norte, e vice-versa. Assim, a gripe também migra para os países que estão vivendo o inverno, e os casos vão diminuindo nas regiões aonde chega o calor.
No caso da influenza A (H1N1), seu início se deu do final do período frio do hemisfério Norte e migrou rapidamente para o Sul. Agora, quando voltar a esfriar na região, Europa e América do Norte devem registrar um número ainda mais significativo de casos. Com isso, a previsão para nosso próximo inverno também não é boa, pois a gripe deverá voltar ao país, talvez com um número maior de casos do que neste ano.
É isso o que chamamos de segunda onda. A questão é: estaremos mais preparados para enfrentar o retorno da influenza A (H1N1)?
Sim. Em primeiro lugar, porque sabemos mais sobre a doença e teremos vacinas. Se não ocorrerem mutações em pouco tempo, o vírus H1N1 se tornará mais um entre os tantos que ocorrem anualmente entre nós.
Mas continuaremos a ter gripe, que, apesar de ser uma das doenças mais benignas, pode evoluir desfavoravelmente. É importante lembrar que, independentemente do H1N1, temos, anualmente, mais de 30 mil mortes no Brasil devido à gripe!
Pelos dados disponíveis até agora, a influenza A (H1N1) é de gravidade similar à da gripe sazonal. A diferença é que, neste caso, próprio das pandemias, os jovens e as gestantes estão mais envolvidos no quesito complicação respiratória aguda, quer pela ação do vírus, quer pela geração de processos inflamatórios sistêmicos.
Além disso, estamos mais preparados para enfrentá-la porque, devido à enorme demanda que o sistema de saúde público e privado enfrentaram neste ano por causa da influenza A (H1N1), houve a reorganização dos hospitais e dos serviços, além da busca de alternativas que pudessem otimizar, racionalizar e hierarquizar o atendimento.
Um exemplo desse enfrentamento da pandemia foi a parceria entre o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e o Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo, que permitiu a adequação do atendimento, uma maior oferta especializada para os casos graves e a divisão das prioridades de acordo com a especialização de cada hospital.
A importante e decisiva participação da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, agilizando o repasse financeiro para a contratação emergencial de recursos humanos e a aquisição de insumos, também foi fundamental e possibilitou aumentar em até duas vezes o número de internações hospitalares.
Adicionalmente, a parceria entre instituições de ponta na área de ensino, pesquisa e assistência à saúde permite auxiliar os órgãos do governo (secretaria e ministério) na confecção de recomendações e protocolos para o manejo de pacientes, baseado em evidências científicas e clínicas.
Com isso, todo o atendimento no país sofre reflexos positivos, e a rede é efetivamente preparada para lidar com o problema.
A organização do sistema de saúde, indubitavelmente, é o fator de maior impacto na prevenção e no controle de qualquer doença. Precisamos estar continuamente buscando alternativas para que, sem sobressaltos, possamos nos despojar das individualidades institucionais, procurando a melhor forma de servir à sociedade.

DAVID EVERSON UIP é diretor do Instituto de Infectologia Emílio Ribas.
JOSÉ OTÁVIO COSTA AULER JUNIOR é professor titular de anestesiologia da Faculdade de Medicina da USP e diretor-clínico do Hospital das Clínicas, da USP.
MARCOS BOULOS é professor titular de moléstias infecciosas e parasitárias da Faculdade de Medicina da USP, diretor dessa faculdade e presidente do Conselho Deliberativo do Hospital das Clínicas.

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