domingo, 13 de setembro de 2009

Um ministério doente

Enquanto o Brasil perde a batalha contra a gripe suína, o ministro da Saúde se empenha em criar uma nova CPMF e derruba a popularidade de Lula.Na última reunião do Conselho Político da Presidência da República, em Brasília, o debate girou em torno da Saúde. E o nome do governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que foi ministro da Saúde de Fernando Henrique Cardoso, entrou na discussão. "Eu e três líderes do Conselho dissemos ao presidente Lula que o grande debate eleitoral no ano que vem será nessa área", contou à ISTOÉ o coordenador da Frente Parlamentar da Saúde, deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS). "Dissemos ao presidente que a atual situação da Saúde vai fortalecer a candidatura de Serra em 2010." Preocupado com o avanço da gripe suína, o vice-presidente da República, José Alencar, também fez uma advertência: "Presidente, o grande debate será mesmo a Saúde", disse Alencar durante a reunião.
Numa atitude surpreendente, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, admitiu que a situação vivida por sua pasta não é boa, mas lavou as mãos e fez uma previsão fúnebre: "Se não houver mais recursos, a pilha de cadáveres vai aumentar no ano que vem." O problema é que a precária situação da Saúde não está necessariamente ligada à falta de recursos.
Se Serra será ou não beneficiado pelos fiascos da gestão de Temporão ainda é cedo para afirmar, mas uma consequência já é palpável: a imagem do governo Lula está sendo arranhada pelos desacertos do ministro da Saúde. Pesquisa Sensus/CNT divulgada na terça-feira 9 confirmou o que os participantes da reunião do Conselho Político já anteviam. A popularidade de Lula perdeu quase 5 pontos percentuais em julho, caindo de 81,5% para 76,8%. A aprovação do governo como um todo também diminuiu de 69,8% para 65,4%. E o fator que mais pesou no ânimo dos entrevistados foi exatamente o péssimo desempenho de Temporão. Segundo o levantamento do Instituto Sensus, 42,1% avaliam que o País não tem combatido a gripe suína de forma adequada e 49,4% acham que a Saúde piorou nos últimos seis meses. Uma importante personalidade da cúpula do PT afirmou à ISTOÉ que o Ministério da Saúde "é, sem dúvida, a parte mais fraca do governo". Segundo ele, a gestão de Temporão "é muito ruim" e Lula só não troca o ministro porque está na reta final de seu segundo mandato. Mas isso já não é tão certo, pois, no vácuo da queda da popularidade de Lula, também caíram as intenções de voto na ministra Dilma Rousseff, de 28,7%, em maio, para 25%. Em parte pelo que fez na Saúde, José Serra mantém-se à frente na corrida presidencial, com 39,5%.
Alheio às nuvens negras ao seu redor, Temporão insiste em culpar a falta de dinheiro disponível para as ações de Saúde e parece ter colocado como prioridade convencer os partidos da base aliada a criar a Contribuição Social da Saúde (CSS), que recriaria o imposto sobre o cheque. "O orçamento está menor", reclamou o ministro. "Temos que nos preparar para uma segunda onda da gripe no ano que vem." Sua proposta, porém, abriu uma nova fonte de desgaste para o governo. Com os recordes de carga tributária, é pólvora pura falar de novos impostos no País. Tanto assim que o próprio presidente Lula disse a Temporão que não vai arcar com o ônus de recriar a CPMF e ainda devolveu a criatura ao subordinado. "Para aprovar novo imposto, só se a sociedade, os prefeitos e o pessoal do Conselho Nacional de Saúde se mobilizarem", desvencilhou-se Lula.Apesar da recomendação, o ministro insistiu e levou a ideia ao Congresso. Ali, a repercussão foi a pior possível. "A bússola do ministro só se volta para a criação de imposto, o País tem a maior carga tributária no mundo e não vamos deixar passar uma brutalidade dessas", afirmou o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). "Já existe um tsunami de recursos para abastecer a Saúde, não precisa de mais dinheiro, precisa, sim, é de outro ministro."A cruzada de Temporão pela CSS durou pouco e até o PT deixou o ministro ao relento. "Nós não assumiremos a frente do movimento para aprovar o novo imposto para a Saúde. Há uma resistência clara aqui na Casa", resumiu o líder do partido na Câmara, Cândido Vaccarezza (SP). Temporão, porém, não se rende aos fatos. Nas conversas com seus auxiliares, o ministro se diz injustiçado e continua a atribuir as dificuldades do setor à falta de recursos. "As demandas sociais crescem e o dinheiro da Saúde diminui.
Os números são dramáticos", diz Temporão, que não assume a culpa pela queda na popularidade de Lula. Porém, longe dos ouvidos do ministro, membros de sua equipe reconhecem que os impasses na área da Saúde podem fortalecer a campanha tucana. "O Serra é conhecido como o ministro que garantiu remédio para os portadores de HIV e introduziu os medicamentos genéricos no mercado", diz um auxiliar de Temporão.
Para agravar a situação do ministro, o Brasil ganhou o título de campeão em casos de mortes pela gripe suína, com 657 óbitos registrados até a sexta-feira 11. A notícia correu mundo e ganhou destaque no site da CNN na véspera das comemorações da Independência. Diante de tamanho fiasco, os parlamentares que têm a Saúde como bandeira eleitoral deixaram de acreditar que Temporão possa se recuperar. Membro da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, o senador Mozarildo Cavalcanti (PTB-RR), que é médico, acha que a Saúde é administrável com o atual orçamento de R$ 59 bilhões.
Para ele, Temporão deveria se preocupar mais com a gestão de sua pasta do que com "discursos emocionais" em torno dos problemas do setor. "O Temporão disse que a Funasa era um órgão corrupto e não tomou providências, porque ele sofreu pressão partidária", acusa Cavalcanti. "O ministro faz jus ao sobrenome que tem, ele é temporão, é fora de época." O 2º vice-presidente da Comissão de Seguridade Social da Câmara, deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG), também acha que o problema da Saúde é de gestão. "Houve retrocesso na Saúde no Brasil. A gestão do Temporão é arroz com feijão, não tem nenhuma transformação, nenhuma mudança", diz Barbosa.
A falta de foco no Ministério da Saúde deixa estarrecidos os maiores aliados do presidente Lula no Congresso. Autor da emenda 29, que organiza os gastos da Saúde, o senador Tião Viana (PT-AC), que também é médico, diz que o setor vive uma "tragédia". Amigo de Temporão, o senador não acha que o problema esteja na figura do ministro. Prefere destacar os limites financeiros: "O Ministério da Saúde tem um orçamento aquém das suas necessidades e mais de 20 Estados desviam o dinheiro do setor para outras finalidades." Mas a presidente da Comissão de Assuntos Sociais do Senado, senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN), diz que a questão orçamentária é desculpa esfarrapada. "Se um governante não der atenção ao que a população cobra dele para a Saúde, isso vai refletir na sua aprovação", afirma ela, prevendo consequências para o PT nas eleições do ano que vem.
A senadora está cobrando a presença do ministro da Saúde no Senado ainda esta semana, para explicar a política de combate à gripe suína. "Os países da Europa estão com o calendário marcado e nós até agora não recebemos informações sobre nosso calendário de vacinação." Temporão disse a Rosalba que irá ao Senado prestar os devidos esclarecimentos. Vai-se descobrir finalmente se o ministro da Saúde tem algo a dizer.

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