segunda-feira, 26 de outubro de 2009

O mal que entra pela boca

Com farinha de trigo, ovos e leite se fazem os pratos e sobremesas mais gostosos como pães, bolos, massas e biscoitos. É difícil imaginar a vida sem essas guloseimas. Muitas pessoas, entretanto, precisaram riscá-las, definitivamente, do cardápio. E as calorias nada tiveram a ver com a decisão. Se­­gundo as estatísticas, cerca de 8% das crianças e 2% dos adultos sofrem de alergias alimentares, 1% tem doença celíaca (alergia ao glúten) e 50% da população mundial tem intolerância à lactose.
Embora alguns sintomas sejam semelhantes, as alergias e as intolerâncias alimentares são doenças diferentes e, por isso, merecem tratamentos distintos. De acordo com a alergista e imunologista Adriana Schmidt, as alergias são causadas pelas proteínas dos alimentos. “O indivíduo apresenta anticorpos contra a proteína de alimentos como o leite de vaca, ovos e frutos do mar. Cerca de um terço das alergias desaparece após os primeiros 3 anos de vida, principalmente com leite, ovos e soja. Já a alergia a nozes e frutos do mar costuma durar por toda a vida”, explica.
A doença celíaca, caracterizada pela intolerância permanente ao glúten, pode ser considerada uma alergia alimentar, pois o glúten é uma proteína e está presente no trigo, na aveia, na cevada e no centeio. O glúten se torna tóxico, provoca uma lesão no intestino delgado e impede a absorção adequada dos alimentos. Além de diarreia crônica, distensão abdominal, vômitos e constipação intestinal, a doença celíaca também pode causar dermatite herpetiforme.
Complicações gastrointestinais, dermatite atópica grave e problemas respiratórios como falta de ar e bronquite são os sintomas mais comuns das alergias, explica a pediatra Izaura Merola Faria, especialista em terapia nutricional dos Hospital Vita. “Cerca de 40% dos casos de dermatite e 5% dos casos de asma estão relacionados às alergias alimentares”, conta.
Leite
Embora o leite também provoque alergia, a intolerância à lactose é causada pela deficiência que algumas pessoas têm da enzima responsável pela quebra da lactose, que é um açúcar. Os principais sintomas provocados pela intolerância são flatulência, dor abdominal e diarreia. Izaura Faria explica porque o índice de pessoas lacto-intolerantes é tão alto: “O nosso organismo é geneticamente programado a desmamar. So­­mos os únicos mamíferos que continuam a consumir leite depois de adultos. É natural que o organismo perca, com o passar dos anos, a capacidade de digerir a lactose. Por isso o problema é muito mais comum em adultos acima dos 40 anos e, principalmente, em idosos”.
Embora algumas alergias sejam reversíveis – caso da alergia ao leite, causado geralmente pela imaturidade do sistema imunológico das crianças –, a maioria delas não tem cura. A doença celíaca também é permanente. “A única maneira de evitar a manifestação dos sintomas é excluir definitivamente do seu dia a dia os alimentos que os provoca”, explica Adriana.
Segundo Izaura, são fatores genéticos que determinam o desenvolvimento das alergias. Em alguns casos, a exposição muito frequente a alguns alimentos podem acentuar os sintomas. A boa notícia é que é possível prevenir o aparecimento das alergias ainda nos primeiros meses de vida. Até então, acreditava-se que apenas o leite materno durante o primeiro ano de vida era suficiente para garantir a saúde imunológica dos pequenos. Novos estudos, porém, comprovam a importância de se introduzir alguns alimentos novos junto com a amamentação entre os 4 e 6 meses de vida do bebê, fase conhecida como janela imunológica. “Dessa forma, as crianças se tornam mais tolerantes e menos alérgicas aos alimentos.”
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Doença celíaca só foi reconhecida há um mês
A psicóloga Cláudia Ferreira Pinto, de 44 anos, descobriu que era celíaca há 17 anos, época em que pouco se falava do assunto. Oficialmente, a doença celíaca só foi reconhecida no Brasil no dia 18 do mês passado, quando o Ministério da Saúde divulgou no Diário Oficial da União o protocolo clínico e as diretrizes terapêuticas da doença celíaca. “A partir de agora, os exames poderão ser feitos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e pelos planos privados. Também será possível termos uma estatística de quantas pessoas são portadoras da doença no país”, conta Cláudia, que é vice-presidente da Associação Paranaense de Celíacos (Acelpar).
A psicóloga conta que o mais difícil para os celíacos é poder fazer uma refeição fora de casa. “Os restaurantes costumam engrossar os molhos e até o feijão com farinha de trigo. Temos de tomar cuidado até com a carne, pois os amaciantes também têm trigo na composição”, explica.
Por isso a maioria dos celíacos prepara as suas refeições em casa e só compra produtos industrializados, mas mesmo as embalagens podem conter informações erradas. Uma lei de 2003 determina que todos os alimentos industrializados devem conter em seu rótulo e bula as inscrições “contém glúten” ou “não contém glúten”, conforme o caso. “Mas, ainda hoje, a lei não é totalmente respeitada”, revela Cláudia.
A principal luta das associações que representam os celíacos é convencer os empresários a oferecer mais opções a quem tem a doença. Medidas simples como trocar o trigo por amido na preparação das receitas ou incluir uma ou duas alternativas de pratos sem glúten no cardápio já fariam uma grande diferença.
Embora a dieta sem glúten seja a última moda para perder os quilos extras, Cláudia faz um alerta: o trigo contamina os alimentos pelo ar. Pães sem glúten fabricados na mesma cozinha dos pães convencionais também não podem ser consumidos pelos celíacos por conter traços da proteína. Por isso o ideal é só comprar alimentos em casas especializadas

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